quarta-feira, 18 de abril de 2012

A ferramenta errada

Rebentou. Foi-se a correr ajudar porque eram demasiado grandes para cair. Decidiram que tínhamos que reactivar a economia. Mas em vez de cobrar impostos a quem lhe sobrava, contraíram mais empréstimos. Veio a Troika, e começaram os cortes, aproveitaram para mudar drasticamente a sociedade, coisa que sempre tinham querido fazer. E dizem-nos agora que temos todos que empobrecer. Não quem criou o esquema da D.Branca, mas todos.

Parece aquele gajo que estava permanentemente com o martelo a bater com toda a força no dedo grande do pé. Como aquilo lhe estava a doer e a esvair-se em sangue, com os ossos partidos, achou que devia fazer alguma coisa. Então, em vez de deixar de se aleijar e largar o martelo, pegou no serrote e cortou o pé.

sábado, 14 de abril de 2012

Manifesto Comunista

Yanis Varoufakis: The Future of Europe 5/6

Recordando Pessoa

"Os ladrões já não andam na estrada,
Moram na pele dos ministros."

PESSOA, Fernando, Poesia Mágica, Profética e Espiritual, Edições Manuel Lencastre, Lisboa, 1989.
A visão bandárrica e profética, N.º 6, p.21

Na antimatéria

Há uns físicos que afirmam que existe neste Universo matéria perdida. Que há vastas quantidades de matéria por descobrir. Até lhe deram nome: antimatéria. Por aquelas bandas, as coisas funcionariam ao contrário. Por exemplo, enquanto por cá os electrões são negativos, por lá seriam positivos. Há outros teóricos que afirmam que haverá nalguma parte do Universo algo em tudo igual ao vemos, mas ao contrário. Imaginemos então esse Portugal em que as coisas funcionam ao contrário...
A crise está instalada. Gastámos demais, afirma a mainstream. E agora todos temos que pagar os abusos que fizemos. Pessoalmente, custa-me engolir e por isso faço questão de recordar como tudo se passou.
Nos últimos trinta anos, o poder tem alternado basicamente entre três partidos: o PCP, o BE e Os Verdes. Todos eles disputaram entre si quais as melhores condições a dar aos trabalhadores, e fazer com que o grosso dos custos do estado e da sociedade fossem pagos pelos capitalistas, que era afinal o que se passava no resto da Europa e EUA. No seu esforço de sobrecarregar os capitalistas (recordemos são eles quem colocam o dinheiro, são eles que com o seu esforço e dedicação fazem a sociedade ir progredindo) e distribuir os lucros pelos trabalhadores, em determinadas situações as coisas correram menos bem para quem está no governo e então foi o outro partido para o poder. O facto, é que nos últimos anos, a automatização tem feito com que cada trabalhador gaste menos tempo a trabalhar e tudo à custa dos lucros dos capitalistas. Os trabalhadores, aproveitando tanta facilidade e tanto tempo livre, passaram a gastar muito dinheiro em grandes casas, em autênticas mansões, em viagens, em grandes obras públicas, em grandes universidades e escolas... sendo que tudo era pago à custa dos capitalistas. Para convencer os capitalistas de que tudo estava bem, os governantes e os opinion makers apregoavam que os capitalistas podiam pedir emprestado para conseguir pagar os impostos que abusivamente lhes estavam a ser cobrados, porque a economia no futuro estaria melhor e por isso conseguiram pagar as dívidas, tal como o evidenciavam todos os estudos universitários. De tal forma, que os lucros e dividendos só eram pagos graças ao crédito que os capitalistas obtinham na banca. A banca obtinha o dinheiro que emprestava aos capitalistas graças às poupanças que os trabalhadores iam fazendo. Era de facto imoral: os trabalhadores obtinham cada vez mais poupanças livres de impostos, colocavam nos bancos e ainda por cima obtinham juros. E era precisamente por não ter que pagar impostos que obtinham poupanças que por sua vez iam ser emprestadas aos capitalistas para que estes conseguissem de alguma forma pagar impostos e continuar a manter as empresas a produzir.
Como era de esperar, o esquema Ponzi rebentou. Obviamente, o poder instalado foi defender as poupanças dos trabalhadores: se assim não fosse, era quase certo que o mundo como o conhecíamos acabaria, pois estalariam tumultos e revoltas porque os trabalhadores não iriam aceitar perder as suas poupanças. E por isso, começou a dizer-se que todos tínhamos gasto demasiado, que todos tínhamos vivido acima das nossas possibilidades... só que, como é óbvio, quem tinha que pagar a crise eram os de sempre: os sacrificados capitalistas. O governo lá ia dizendo que lamentava, que era uma emergência, e ia assim cortando
gradualmente o que ainda permitia aos capitalistas manter uma vida decente, e aproveitava para inclinar a lei ainda mais a favor dos trabalhadores. Dizia-se mesmo que os capitalistas podiam emigrar, que eram vivamente aconselhados a isso, pois isso enriqueceria o seu currículo e quando a crise acabasse eles estariam em melhor posição para voltar a obter alguns parcos lucros. Mas era dramático: começavam-se a ver sinais de extrema pobreza entre os capitalistas, inclusivamente, os suicídios estavam a aumentar.
Pessoalmente, sendo capitalista, esta situação revolta-me. E recordo-me que há uns físicos que afirmam que que há algures no Universo um local onde o mundo é ao contrário... Vejamos como as coisas se passarão nesse outro Portugal: Os capitalistas abusaram da exploração de quem trabalha e levaram o mundo há perdição. E obviamente, quem paga as favas são os trabalhadores e reformados...

Isto serve para mostrar que há sempre outras políticas que podem ser aplicadas, e que as que são escolhidas são sempre a favor da classe que está no poder.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Morrer de pé na Praça Syntagma

MORRER DE PÉ NA PRAÇA SYNTAGMA

Quando se ouviu um tiro na Praça Syntagma,
logo houve quem dissesse: “É a polícia que ataca !”.
Mas não, Dimitris Christoulas trazia consigo a arma,
a carta de despedida, a dor sem nome, a bravura,
e vinha só, sem medo, ele que já vivera os tempos
de silêncio e chumbo do terror dos coronéis.
Mas nessa altura era jovem e tinha esperança.
Agora tudo isso findara, mas não a dignidade,
que essa, por não ter preço, não se rende nem desiste.

Dimitris Christoulas podia ser apenas um pai cansado,
um avô sem alento para sorrir, um irmão mais velho,
um vizinho tão cansado de sofrer. Mas era muito mais
do que isso. Era a personagem que faltava
a esta tragédia grega que nem Sófocles ou Édipo
se lembraram de escrever, por ser muito mais próxima
da vida do que da imaginação de quem efabula.
Ouviu-se o tiro, seco e certeiro, e tudo terminou ali
para começar logo no instante seguinte sob a forma
de revolta que não encontra nas bocas
as palavras certas para conquistar a rua.
Quando assim acontece, o silêncio derruba muralhas.
Aos jovens, que podiam ser seus filhos e netos,
o mártir da Praça Syntagma pediu apenas
para não se renderem, para não se limitarem
a ser unidades estatísticas na humilhação de uma pátria. Não lhes
pediu para imitarem o seu gesto,
mas sim que evitassem a sua trágica repetição.
E eles ouviram-no e choraram por ele, e com ele,
sabendo-o já a salvo da humilhação
de deambular pelas lixeiras para não morrer de fome.

Até os deuses, na sua olímpica distância,
se perfilaram de assombro ante a coragem deste gesto.
Até os deuses sentiram desprezo, maior do que é costume, pela
ignomínia de quem se vende
para tornar ainda maior a riqueza de quem manda.
A Dimitris bastou um só disparo, limpo e breve,
para resumir a fogo toda a razão que lhe ia na alma. Estava livre.
Tornara-se herói de tragédia
enquanto a Primavera namorava a bela Atenas,
deusa tantas vezes idolatrada e venerada.
Assim se despedia um homem de bem,
com a coragem moral de quem o destino não vence.

Quando o tiro ecoou na praça de todas as revoltas,
Dimitris Christoulas deixou voar uma pomba,
uma borboleta, uma gaivota triste do Pireu
e disse, com um aceno: “Eu continuo aqui,
de pé firme, porque nada tem a força de um homem
quando chega a hora de mostrar que tem razão”.
Depois vieram nuvens, flores e lágrimas,
súplicas, gritos e preces, e o mártir da Syntagma,
tão terreno e finito como qualquer homem com fome,
ergueu-se nos ares e abraçou a multidão com ternura.

José Jorge Letria
6 de Abril de 2012

terça-feira, 10 de abril de 2012

MAC

Recordando o livro "A Doutrina do Choque", de Naomi Klein, para se conseguir dobrar a população, é mais eficaz alterar coisas que eram tidas como imutáveis: os feriados, o Carnaval, férias, indemnizações por despedimento e agora o abate da Maternidade Alfredo da Costa. Segundo o Ministro, a decisão é política. E acredito que sim. Destruir o edifício que me viu nascer e à minha filha deixa um sentimento difícil de descrever. Será que é mesmo mais barato? Mesmo que seja a maternidade mais capaz no País, faz-nos questionar muita coisa. Deixa-nos confusos, sem reacção, e enquanto estivermos a tentar interpretar os nossos sentimentos, a revolução segue de forma ordeira e serena.

Ida ao Centro de Emprego

Hoje compareci a uma reunião no Centro de Emprego.

A funcionária foi muito simpática. Disse que a partir de agora as pessoas com mais de 45 anos iam ter a possibilidade de assistir a uma formação com a duração de cerca de 2 meses. As cadeiras seriam coisas fundamentais como marketing, organização empresarial, TIC, línguas e uma ou outra coisa mais específica, sendo que o nível de profundidade seria de acordo com as habilitações literárias de cada um. Curiosamente, a razão pela qual esta formação ia ser dada, segundo o afirmado, seria para que as pessoas desempregadas tivessem algo para fazer. Em vez de estar em casa a desesperar, desta forma poderiam passar o tempo. O que se pretendia era que as pessoas desempregadas tivessem actividade. Afirmou-se que era boa ideia participar em acções de voluntariado. A assistência portou-se à altura e agradeceu entusiasmada esta magnanimidade do Estado em ajudar-nos a estar entretidos. Sobre oportunidades de trabalho... nada. Afinal, interpreto eu, não compete ao Estado conseguir trabalho aos seus cidadãos. A função do Estado também não é a preparação de novas competências que facilitem a integração no mercado de trabalho. Para quê... como trabalho não há nem vai haver, o Estado deve preocupar-se antes em ter as pessoas entretidas. Pensando bem, se houvesse dinheiro mandavam-nos certamente ao Walt Disney Paris... como não há, temos que ter paciência e contentar-nos com umas formaçõezitas. Podemos estar descansados, que ninguém chumba. É garantido.

Enquanto esperava por um comprovativo da minha presença em tão estimulante evento, comentei com a funcionária que me parecia que o que se pretendia era que os desempregados não perdessem a cabeça, que não ficassem muito zangados. Afinal, um dos assistentes até se tinha levantado zangado e saído sem assistir ao espectáculo até ao fim. A funcionária, muito paciente, mostrou compreensão. Ela, ao ver a minha história laboral e académica, mostrou muito interesse por mim. Não resisti e comentei-lhe que mesmo que a minha média de entrada na universidade fosse superior a 18,5 não estava a concluir os meus estudos porque o dinheiro não esticava e em família tínhamos decidido que como o dinheiro só dava para um, seria a nossa filha a continuar a estudar. A funcionária mostrou compreensão e disse: "Pois, temos que fazer escolhas!", ela também tinha 3 filhas e não tinha podido dar tudo o que queria a todas... Eu desatei a rir. Disse que não era uma questão de escolhas... era uma questão de sacrifício e ver onde cortar teria menos impacto no futuro, que para uns era uma questão de escolhas porque estavam a decidir o que fazer com o que sobrava depois de se ter tudo o necessário enquanto para outros era uma questão de cortar em si mesmo (a conclusão dos estudos universitários num de dois cursos superiores enquanto se está em casa desempregado) para que os filhos tentassem seguir em frente. Também lhe perguntei  por que razão o Estado não entra em actividades produtivas de substituição de importações com o milhão e duzentos mil desempregados que existem neste país. Não soube responder. Em abono da verdade, até lembrou o abate de barcos de pesca que tinha assistido há uns anos.

O importante é que fiquei a saber que vou estar ocupado dois meses e que até me vão pagar o passe e o almoço. Que chatice...

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Aprendizes de feitiçaria 2

Seguindo o raciocínio mágico, o Carlos Moedinhas afirma que a reposição dos subsídios de férias e de natal, vulgo 13º e 14º mês, "não podem ser permanentes" e que os cortes "estarão em vigor durante o período de vigência" do programa de ajustamento.
Acontece que nem ele acreditará que o actual programa de empobrecimento dará o resultado esperado porque, exceptuando a troika, o governo não vai conseguir convencer nenhum ser celestial a emprestar-lhe dinheiro e portanto a seguir a este programa vai-nos ser apresentado outro programinha fresquinho.
Isto fará com que gradualmente vá acabando com toda a lógica de justiça social ainda existente no nosso país. Ainda ouviremos falar no fim das férias pagas. As pessoas que ainda tiverem trabalho passarão a trabalhar sem período de férias ou se se mantiverem não serão pagas.
Conjugando isto com o aumento do tempo de trabalho diário, a diferença entre escravatura e aquilo que se está a tornar o mundo laboral será que os escravos não eram formalmente donos do seu corpo e que a vontade dos assalariados é subjugada à necessidade de pagar dívidas contraídas por o salário recebido não chegar para continuar a apresentar-se no local de trabalho.
A rã se for mergulhada em água a ferver salta e salva-se mas se for mergulhada em água à temperatura ambiente à qual se aumenta lentamente a temperatura acaba por morrer cozinhada. Nós estamos a ser ser sujeitos ao mesmo: se a sociedade mudar de um momento para o outro ninguém aceita, mas se as mudanças forem infinitesimais, aceitamos. Estão-nos a aquecer a água. A letargia faz-se sentir. Confundem-nos dizendo uma coisa e fazendo outra. Quando acordarmos a sociedade terá mudado, perdendo-se décadas de lutas por condições de vida dignas.
Quando nos trazem troikas e afins o real objectivo de toda esta gente é a mudança da sociedade, é gradualmente ficar com uma maior parte do fruto do trabalho da sociedade. Mesmo que nos emprestem mais, as dívidas serão cada vez maiores. Enquanto para nós o dinheiro é algo que se obtém trabalhando e se gasta todo imediatamente na manutenção da vida, para os seres divinos o dinheiro já existe e serve para comprar o nosso trabalho que é usado na produção de mais dinheiro. No fim de cada ciclo, nós estamos na mesma, nada nos sobrou a não ser a vida, enquanto que para os seres divinos, no fim da cada ciclo, vêm-se com mais dinheiro que nós lhes demos com o nosso trabalho.
Mas ainda há quem duvide que a luta de classes é a realidade desta sociedade?

Aprendizes de feitiçaria

Ora aqui está um tipo que acredita na magia da austeridade: os energúmenos dos trabalhadores são estúpidos e preguiçosos porque preferem o curto prazo da boa vida de não ter que trabalhar mesmo que dessa forma não consigam comer o suficiente.
O que me chateia é que esta besta do Peter Weiss, responsável da Direcção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros (ECFIN), enquanto aprende como funciona a feitiçaria, nos esteja a levar à perdição.