quinta-feira, 31 de maio de 2012
Reacção a "A esquerda (IV)", de JVC
Relativo ao texto de João Vasconcelos Costa que se encontra em http://no-moleskine.blogspot.pt/2012/05/esquerda-iv.html
Gosto do teu esforço.
1. Onde conseguir dinheiro... A dicotomia entre austeridade e Kaynes tende a simplificar a forma de pensar. E serve para deixar intocável o problema clássico. Refiro-me à redistribuição da riqueza. Recordemos que Portugal é um dos países mais desiguais da OCDE. Uma alternativa sem tocar neste ponto poderá ser nominalmente de esquerda, mas não será por isso que será de facto de esquerda. O que quero dizer é que há uma alternativa com cunho marxista, que recusa a austeridade e recusa Keynes. Perguntarás: mas onde está o dinheiro? Pois, é que a colocação dessa questão revela que a ideologia neoliberal já está entranhada e não é questionada. Existe dinheiro em Portugal. Só que está mal distribuído. Até Hollande foi obrigado a tocar nesse ponto, quando propôs uma taxa marginal de sobre as grandes fortunas de 75% para valores acima de um milhão de euros. Isto não é novidade. Roosevelt com o desespero de que os comunistas e os socialistas alterassem a sociedade norteamericana de forma drástica conseguiu que as grandes fortunas fossem taxadas fortemente (ver http://en.wikipedia.org/wiki/Income_tax_in_the_United_States e procurar por "Partial History of Marginal Income Tax Rates Adjusted for Inflation") e tornou o estado como empregador de último recurso (http://en.wikipedia.org/wiki/Employer_of_last_resort e http://en.wikipedia.org/wiki/Civilian_Conservation_Corps). Outra medida será taxar de forma fortemente progressiva a propriedade. Dessa forma, mesmo que e Estado tenha que vender terrenos a estrangeiros ou a gente de posses cá da terra, pode sempre aplicar fortes impostos sobre a propriedade. E principalmente, se é por demais evidente que os privados não investem em actividades produtivas em bens transaccionáveis (agricultura, indústria, pescas, minas) seja porque não querem, não podem ou não sabem, para o caso é irrelevante, pois compreensivelmente têm medo de perder o investimento, é incompreensível que não esteja na agenda a possibilidade de o Estado ocupar o lugar deixado livre pelo sector privado. Mas em que actividades? Pois fácil: seleccionam-se todas as importações feitas pelo país, e organiza-se por ordem decrescente em função do produto. Excluindo as matérias primas que não detenhamos (como é o caso de petróleo), os bens transaccionáveis para serem produzidos necessitam de gente que os produza. E é nisso que os mais de 20% de desempregados reais (Ver o cabeçalho de http://www.movimentosememprego.info em que clicando nos números se obtém uma justificação para estes) devem ser empregues. E mais... quem tiver medo das grandes corporações nacionalizadas, proponho que as empresas formadas sejam privadas, mas auto-geridas pelos seus próprios trabalhadores. Desta forma haverão duas certezas: (1) se são os trabalhadores a decidir o que fazer com os lucros estes nunca irão para meia dúzia de pessoas o que faz com que a riqueza gerada se distribua por todos os trabalhadores e (2) uma empresa gerida pelos próprios trabalhadores nunca deslocalizará a sua produção porque nenhum irá aceitar ficar desempregado. O que proponho é que o dinheiro que se obtém taxando aos mais ricos seja dado a fundo perdido para as empresas poderem arrancar. Desta forma, não se terá que pagar juros sobre o capital emprestado e dessa forma, os produtos serão mais baratos não por via da contracção no Trabalho e pelo contrario por contracção do Capital. Como digo, não entendo como é que isto não é debatido abertamente. Será talvez porque os que o poderiam fazer saberem que estas políticas implicariam que eles mesmos perderiam alguma da sua vantagem competitiva em relação aos seus concidadãos. Não estou a pedir mais saúde, não estou a pedir mais escola, não estou a pedir mais protecção no desemprego. Estou a exigir que cada um seja produtivo e que por isso seja taxado e com o dinheiro recaudado se gaste então na saúde, nas escolas e todos os serviços do welfare state.
2. Afirmas que "toda a experiência de intervenções do FMI é negativa". Pois vou-te escandalizar. A Islândia é o contra-exemplo do que afirmas. Mas há uma diferença fundamental. Sendo a Islândia um estado com forte presença do estado, com uma regulação muito forte do mercado de trabalho, com uma forte protecção social, à boa maneira do welfare state do berço à cova, o Memorando de Entendimento entre o FMI e a Islândia (http://www.imf.org/external/np/loi/2008/isl/111508.pdf) não tem uma única linha sobre venda de empresas estatais, não tem uma única linha sobre o desregulamento do mercado de trabalho, não tem uma única linha sobre cortes na protecção no desemprego, não tem uma única linha sobre a privatização do sector da saúde, das escolas, das universidades, das águas, das energias... Cabe perguntar porque será? Uns poderão dizer que o FMI é racista e trata os nórdicos como cidadãos de primeira e os restantes como escravos. Outros poderão dizer que o governante que negociou era uma boa pessoa e não cedeu a outros interesses. Outros poderão dizer que foi assim porque o governante sabia que o Povo não iria aceitar de outra forma. O que a mim me parece é que o FMI se comporta como qualquer instituição financeira, em que quer que o dinheiro emprestado volte a casa com um lucro e que para isso se negoceiam umas métricas que devem ser cumpridas como garantia de que tudo está a decorrer como previsto. O governante que negoceia em nome do estado sente que é aquele o momento para alterar a sociedade conforme aquilo que ele crê e por isso coloca lá essas métricas: umas tantas empresas a serem vendidas, uns tantos cortes nos salários, uma certa diminuição do factor trabalho... porque simplesmente não considera correcto que seja o Estado a resolver o problema e que pelo contrário este é um empecilho. Mas estes pressupostos são ideológicos. São por demais conhecidos exemplos de países que estão há décadas com programas do FMI (veja-se aqui o exemplo do Níger http://auditoriacidada.info/article/gr%C3%A9cia-passa-bem-sem-%C2%ABsimpatia%C2%BB-demonstrada-pelo-fmi-ao-n%C3%ADger). O que estou a afirmar é consistente com as afirmações de Lagarde, quando há umas semanas afirmou que mesmo que a Grécia saísse do euro o FMI continuaria a ser um parceiro. E segundo os acordos estabelecidos entre cada país e o FMI, é exactamente isso que tem que acontecer (basta consultar o site do FMI).
Este texto é escrito de um só fôlego, sem uma segunda leitura e por isso terá certamente erros.
Abraço,
Alcides
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