sexta-feira, 27 de julho de 2012

Panicar ao quadrado

Estou a panicar de tanto panicar.
O meu percurso universitário foi cheio de erros. Escolhi sem saber o que queria, mudei porque o curso exigia demais e tinha de trabalhar, mudei outra vez porque o dinheiro não chegou e tive de voltar para casa dos pais.
Sou da geração que não consegue sair de casa dos pais, a geração que, em vez de os deixar caminhar para o descanso, tirar umas feriazitas de educar e ver o pôr-do-sol, tem de viver à custa deles. Tem de pedir que pague pelos erros da filha que, inconsciente, aos 18 anos não sabia um diabo da vida. E, caramba, aos 22 continua sem saber. Tem de pedir aos pais que lhe paguem as propinas e que, além disso, suem mais um bocadinho entre call-centres, desemprego e precariedade para pagar a burrice do empréstimo que a filhota – que na altura prometia mundos e fundos, que foi das melhores médias do secundário, que queria ser bióloga e salvar as baleiazinhas e as florestas amazónicas – pediu, para não ter de trabalhar enquanto estudava.
A filhota, por se crer dona do seu nariz, e por ver o dinheiro a escassear, decide trabalhar para compensar. Sem dizer aos pais, claro, que tem de afirmar a sua independência económica. E siga, vamos lá meter o rabinho num call-centre e azucrinar o juízo a gente que não tem dinheiro para gastar. A escola vai por água abaixo, que a filhota não consegue lidar com tudo. Porque isto de haver idade para erros é coisa do século passado, hoje em dia já tem de se nascer com o destino traçado e não há lugar, nem direito, para enganos. Experiência de vida uma ova.
Vamos lá então mudar de curso, e desta vez já na direcção certa. 'Bora lá para um curso de Letras, que no fundo sempre tive queda para a coisa. E... Ora, caramba, vou ter de mudar de trabalho que estou prestes a rebentar os miolos de tantas vezes ser tratada mal ao telefone. Vamos lá para outro call-centre. Mas calma, este já é melhor que o outro. O melhor da cidade. Este já não é telemarketing, este é Apoio ao Cliente. Uiiii, cuidado! 8h, quando não são 9h ou 10h, a ouvir gente chateada com a empresa a descarregar, aos gritos, em cima de nós. Um ano a aturar isto, e começo mesmo a pensar que sou incompetente. Isto de ouvir destas coisas 5 ou 6 dias por semana... Começa a ecoar cá dentro. E claro, durante este tempo, ir às aulas. E tentar encaixar umas horas de sono no meio. Esgotada e sem previsão de melhorias... Desisto pela primeira vez. Corro para os braços dos papás que me recebem com mimos, cama, roupa lavada e comida na mesa. E um amor inesgotável.
Vamos lá, tentar mais uma vez, no fundo nasci em Lisboa, pode que a capital me dê alento e me mude as sortes. Ora, ainda experimento um outro call-centre, que ainda é melhor que o anterior. É que não quero desistir da minha independência assim sem mais. Vamos lá, 6h parece ser exequível. Eh lá, mas calma que aqui as coisas são diferentes. Aqui os objectivos ainda são mais inatingíveis, aqui a malta ainda bate pior da cabeça, aqui... Ai jesus, como se aguentam! E bom, vamos lá escorregar do precipício, que estive a cozinhar uma depressão durante um par de aninhos.
É que sabem, eu tenho os melhores pais do mundo. Sempre me disseram, a mim e ao meu irmão, que o nosso destino está nas nossas mãos. Que somos nós que fazemos as nossas vidas. Que se nos empenharmos, somos capazes de qualquer coisa. Que o mundo está aos nossos pés. Que estudar é muito porreiro, que aprender é bué de fixe, e que a universidade nos abre os horizontes. Ler muito, aprender muito. É, eu sei. São mesmo os melhores pais do mundo. Só que as bacoradas que os belos dos nossos governos fazem trocaram-lhes as voltas e ainda se riram na cara. Eles, os melhores pais do mundo, continuam a dar tudo pelos filhotes. Continuam a dar cabo da sanidade mental deles, para abrir caminho aos filhotes. Que os garotos merecem tudo. Mas... ora, troikices, FMIzices e botas elameadas de tanta vez que os nossos queridíssimos dirigentes políticos metem a pata na... O cenário sempre a ficar pior.
A filhota, que mudou pela 2.ª vez de curso e não está a trabalhar, acabou o ano lindamente. E experimentou a vida académica como deve ser: conheceu professores porreiros, outros que não deveriam dar aulas, estudou que se fartou e aprendeu imenso. Mas, principalmente, aprendeu que por mais que se estude e se seja merecedor... ou se tem um tacho muito grande, ou tem de se emigrar (ou se tem um cartão Relvas), como diz o Sr. PM. A filhota tem de pensar em começar a trabalhar novamente, quanto antes, se é que quer continuar a estudar. Que o subsídio do papá vai acabar não tarda, e depois… é melhor nem falar. Só que entre call-centres e supermercados, a filhota sabe que não vai conseguir estudar. E a filhota sabe que tem capacidades para muito mais. É fluente, nativa, em três línguas, que é bem mais que o nosso Sr. PM. Fala e escreve melhor português que o Sr. PM. Tem melhores ideais que o Sr. PM. Não tem mais experiência profissional que o Sr. PM, mas também não se quer formar em mentir descaradamente, por isso…
Emigrar os DIABOS! Os nossos pais lutaram, e lutam para nos dar o melhor. Vão buscar forças quem sabe onde. Retiram-lhes o sustento, vêm as hipóteses de emprego reduzidas quase a zero para si e para os seus filhos, vêm que sonhar começa a ser caro de mais. Mas mesmo assim lutam. E nós, LUTEMOS com eles! Lutar pelo nosso país, lutar por aquilo que é certo, por aquilo que vale. Não baixar os braços. Ganhar consciência política, ver que o mundo não se vê através de um iPhone. Que o grupo de amigos para a borga vai começar a escassear porque o dinheiro não chega. Que a única perspectiva de trabalho no futuro vai ser numa caixa de supermercado ou num restaurante. Ou num call-centre, claro. E pagar dívidas alheias que não acabam, porque irá sempre haver mais. E ver os nossos pais desolados porque roubaram o futuro dos seus filhos…
Há que perceber, rapaziada (e raparigada, não excluo ninguém), que não é altura para bens supérfluos. Há que mudar a direcção, há que procurar um futuro que não seja precário. Há que escorraçar quem nos enterrou, retirar a areia dos olhos, há que sair fora e respirar. Há que lutar. Aqui não se desiste. LUTEMOS!

De uma filha para uns pais

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