Começou por circular um mail apelando a um milhão de pessoas na Av. da Liberdade, exigindo a demissão de toda a classe política. Nesse então, ainda se estava em campanha eleitoral para a eleição que viria a coroar Cavaco Silva.
Existia todo um ambiente de triunfo da direita.
A noite de eleições confirma a esperada vitória... e ocorre no Coliseu do Porto um concerto de música de raízes portuguesas que emociona a jovem audiência com uma frase crua e simples, que numa voz suave proclama:
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.
O vídeo aparece nessa mesma noite no youtube.
Uma semana depois, em Lisboa, as mesmas lágrimas, a mesma emoção.
Torna-se num hino para jovens e menos jovens.
Pouco depois, três ou quatro deles, criam um evento no Facebook agendando para 12 de Março (a pouco mais de um mês), apelando a uma manifestação na Av. da Liberdade e na Pç. da Batalha ao qual chamam Protesto da Geração à Rasca (GàR).
Aparecem outros movimentos tentando assenhorar-se da ideia. Observa-se uma tentativa de colonização mútua. Instala-se a confusão. É difícil entender o que se passa naquela plataforma electrónica em que se partilham fotografias com a família e vontades para amizades coloridas.
Numa mesma página, lado a lado, encontra-se todas as tonalidades ideológicas e religiosas, desde grupos que acreditam que somos descendentes de extra-terrestres, de grupos que acreditam que o fim está próximo, grupos que apelam à meditação como solução dos males do mundo, grupos exigem que os estrangeiros saiam de Portugal, gente que pede a salvação do Sporting, anarquistas, monárquicos, liberais, comunistas de vários sabores, nacionalistas, bloquistas, social-democratas, maçons, neo-liberais, católicos... apelos à revolução, apelos à anarquia, apelos á violência, apelos à paz, apelos à desobediência civil... manuais de como fazer um Cocktail Molotov, manuais de como fabricar toda a classe de armas, manuais de como sobreviver em caso de guerra, manuais de como reagir em caso de explosão nuclear (ainda não tinha havido Tsunami no Japão), manuais como reagir pacificamente a uma carga policial, manuais de auto-ajuda... toda a classe de livros, filmes, música e fotografia disponíveis online, uns interessantíssimos, outros nem tanto... muita criatividade espontânea.
Os órgãos de comunicação social começam a dar importância ao assunto. Ouvem-se os costumeiros especialistas que sempre sabem de tudo, vaticinando o fim do movimento, prognosticando a adesão de trinta, quarenta ou cinquenta mil pessoas, analisando os objectivos e razões últimas, afirmando que o movimento era instrumentalizado por todos e cada um dos movimentos e correntes de opinião.
No Facebook, no perfil da GàR, houve inicialmente alguma censura, em que os promotores tentavam desesperadamente controlar o que era exposto. Tiveram várias vezes que fazer declarações sobre o que o movimento era e não era. Houve a inteligência de definir claramente o que era pretendido, de tal forma que quem fosse de direita se sentiria deslocado em declarar o seu apoio.
A vinte e quatro horas do evento, ao mesmo tempo que Sócrates e Teixeira dos Santos apresentam o PEC IV, 58.000 pessoas afirmavam que iriam estar presentes, 45.000 pessoas declaravam que talvez o fizessem, 81.000 recusavam o convite e uma mole de 495.000 pessoas estavam indecisas; à meia-noite desse dia, eram 62.400 os que estariam presentes, 46.500 os indecisos, 85.500 os que negavam a sua presença e uns assombrosos 513.000 indecisos. Às zero horas e doze minutos, 707.532 pessoas diferentes tinham visitado esta página, sendo que houve um pico entre as 20:44 e as 20:50, com 543 novos visitantes a aceder, o que representa uma média de 1,5 novo perfil por segundo.
É importante clarificar que no Facebook, ao contrário de outras situações, quem visita determinada página está identificado, já que teve que se registar previamente na aplicação. Assim, estes valores não correspondem a visualizações de página mas a pessoas concretas. Ao não sermos administradores do movimento, não temos forma de saber qual a proveniência dos visitantes nem quantas vezes cada um o fez.
No dia do evento, tínhamos as televisões à hora do almoço, entre as 13:00 e as 14:00 a fazer reportagem a partir do local. Aparentava ser um apático Sábado igual a tantos outros. O Chefe de Governo estava algures convencendo os seus pares europeus de que tudo estava bem.
Se na noite anterior, tinha pressentido que o movimento seria um sucesso, morando na Margem Sul, quando entrei na camioneta, fiquei aterrado: estava cheia de jovens, cada um na sua vida. Destes, os que se conheciam, afirmavam calmamente que iam para a manifestação. Apanhei o Metro e tive a sensação de que era hora de ponta, em que se ia trabalhar em família. Saí no Marquês de Pombal. Olhei à volta e comecei a descer a Av. da Liberdade. Estava cheio de gente. Ao contrário do habitual, o que saltava à vista era a falta de organização. E isso foi talvez o melhor. Foi genuíno. Encontrei alguns conhecidos. Encontrei gente que costuma ir a estas coisas. Mas encontrei também muita irreverência jovem, muita gente em família, um certo tipo de pessoas que aparentam instrução, talvez uma certa elite, gente que parecia um pouco deslocada deste ambiente, mas que esteve presente. Encontrei também anarcas, uma bandeira portuguesa com o verde trocado pelo azul monárquico, mini partidos de diferentes sabores, vi gente habituada a ir a estas coisas que estava estarrecida com o que estava a presenciar.
Foi um rugir de uma fera dirigido ao estado em que nos encontramos. Penso que todo o sistema levou por tabela. Não só o Governo, não só a política que é seguida, não só a direita, mas também a esquerda. Não nos estamos a conseguir entender de forma a levar o País para um melhor local.
Os partidos têm toda uma organização, muitos meios, muita gente que os leva ao colo. Mas com todo o tacticismo que tão bem conhecemos, esquecem-se o fim pelo qual supostamente lutam: o bem-estar do Povo.
Vejamos, nas últimas eleições presidenciais, no Facebook, Alegre teve uns 15.000 apoiantes, Cavaco 25.000 e Nobre 30.000 (se não são estes os valores, ponham os que quiserem). Tiveram 1 ano para se preparar. Tiveram meios, dinheiro. Dias depois das eleições, meia dúzia de jovens criam um evento no mesmo Facebook, e um mês e tal depois, sem meios, sem dinheiro, sem tempos de antena, conseguem apoio 65.000 pessoas, visitas de mais de 700.000, e ainda por cima reúnem em todo o País 300.000 pessoas.
No dia seguinte à manifestação, os quatro organizadores criaram um outro perfil, Fórum das Gerações - 12/3 e o Futuro. Em poucas horas chegaram aos milhares de apoiantes. Actualmente são 19.000. Têm um fórum, onde cada um debate o que entende por bem. Têm 196 tópicos. Passa-se o habitual: uns chegam sem ideias, outros com muitas, alguns com formação política, outros nem tanto, alguns com ingenuidade, outros pelo contrário. Encontram-se discursos para todas as vontades, crenças e interesses.
Para quem organizou isto, para quem se empenhou, para quem se manifestou, para quem ficou em casa a assistir pela TV, para quem teve que trabalhar, isto só agora começou. Que propostas alternativas? Que outro rumo? Como o conseguir? Que fazer para o obter? O que fazer agora com este poder que se tem nas mãos?
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